quarta-feira, 22 de março de 2017

nada at all

Eis aqui
Poema sem assunto,
Apenas reflexo
De uma vontade sem nexo
De parar e escrever
Qualquer coisa pra ver
Se fico perplexo
Em fazer desconexo
Virar adjunto
De juntar tudo junto
Deixando complexo
Pra você entender
Muito pouco do assunto
Em que ouso dizer
Um bom bocado de tudo
Que é bom e ruim nesse mundo
Ou que um dia vai ser!

Não sei!!!

Só sei que mudo
Não iria ficar;
Ao menos em versos
Eu devia falar.

Falei.

Sim!
Foi sim de verdade
Que surgiu afobada
Tal bendita vontade
De escrever sobre o nada.

Alívio.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

diga ao mundo que nasceu um poema!

Um verso em conjunto
com outro anexo
e um outro conexo
com um moribundo
já forma um poema
que seja profundo
e que valha a pena
mostrar para o mundo.

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

licença poética

Usei da licença poética
Pra achar que sou poeta
Que faço alguma poesia
sem noção de métrica
Ou de estrutura decacílaba
tendo lido na vida
De difícil, eu diria,
Só um do castro Alves
Mas que também eu lia
E quase nada entendia.

Não fosse a licença poética
Nem esse poema eu faria;
Mas dê licença, ela existe!
Por isso mais essa poesia.

terça-feira, 11 de outubro de 2016

o samba e a lua

Diante deste palco,
Deste copo, nesta noite,
Diante do murmuro
Destas cordas, deste surdo;
A luz da Lua
Num sussurro
Instiga-me cruel;
De repente, inspiração,
Te dou asas num papel:

De Noel a Daniel,
A companheira mais fiel,
Das rodas, dos bambas,
Dos pagodes, do samba,
É a lua;
Quanta vitalidade,
Quanta cumplicidade a presença sua!

sexta-feira, 13 de maio de 2016

aposto

Posto isto pois aposto que este aposto,
que aqui e assim está posto,
foi de propósito aqui exposto.
Aposto!!!

sexta-feira, 6 de maio de 2016

Yemanjá e Oxum dos olhos teus

Te olhando entendi
Que para atingir
Alguns dos maiores
Deleites meus
- Banhar-me de praias,
Cachoeiras, cascatas,
Nas mais lindas águas
Que Deus nos deu,
Bastasse que entrasse
E que mergulhasse
No azul cristalino
Dos olhos teus.

terça-feira, 3 de maio de 2016

feito tentar pegar sabão debaixo d'água

Eu escrevia,
Fato;
Mas que absurdo,
Tuas coisas eu lia
E não entendia;
E sobre mim escrevia,
E eu não sentia;
Não sei,
Não me entendo,
Não compreendo
Como pude ser desatento
Ao momento de alguém que,
Em suas olorosas poesias,
Da forma mais linda
E apaixonante possível,
Incrivelmente poética
E impressionantemente sensível,
Me buscava, se entregava,
Me alçava e se despia,
Que hoje, ao relê-la,
Questiono-me com agonia
Porque não me joguei aos teus pés
suplicando tuas mãos;
Como não desejei
Tuas estrofes pulsantes
Na forma de insaciáveis olhos
Buscando-me pelo zoom de teus desejos;
Os teus versos
curtos e grossos
Na forma de dentes,
Os teus quereres e tuas vontades
Na forma de arrepio da pele sensível,
E tuas insinuações,
Tuas indiretas, ensejos,
Não mais em verbos,
Mas em hálito,
Não mais por estrofes,
Mas em ato,
Em tato,
Contato,
Pelas vias
Mais materiais
Pulsantes
E carnais
Possíveis!

Como pude?
Como pode?

E a vertigem daquele espelho consumiu-me por inteiro...

segunda-feira, 2 de maio de 2016

tudo que faço - interrupção 2 - some undesirable writings...

.

Não bastasse ter entrado espaçosa
Em minhas poesias
Fugindo do anonimato
Em que residia,
Havia de se refugiar agora
Em minha cabeça,
Em tudo que faço
No meu dia-a-dia?



***


.. So get out if you want stay but not stay!
You know It is something I wouldn't want to say
But, unfortunately, that's the way.

sábado, 16 de abril de 2016

permita-me os excessos

Permita-me os excessos,
As vontades talvez precipitadas,
As algumas demonstrações de ansiedade;
Isso porque eu sou assim:
Do intenso, do que flameja,
do que reivindica, do que atiça,
Do que requer, do que quer,
Mas que quer por inteiro,
Mas que quer pelos dentes que rangem,
Que quer pelas inspirações que surgem,
Que quer por infinitos momentos de confissão e entrega mútua;

Permita-me os excessos,
Mesmo esforçando-me não permiti-los a mim;
E mesmo esforçando-me não permiti-los a mim,
Não suporto abafá-los,
Escondê-los, retê-los,
Contraí-los;

Permita-me os excessos,
Que quando transbordam-se provocam-me
Silêncio, aparente incerteza,
Confusão ou introspectividade,
mas que, na realidade,
Por dentro é uma combustão de vontade
E de necessidade de você,
a amável e insaciável razão dele;

Permita-me o excesso.

quarta-feira, 2 de março de 2016

o primeiro auto-retrato

Serena como o abrir-se sem pressa
De uma flor em tua manhã da vida,
Ou como a ternura do oceano ao acariciar o continente
Com a tranquilidade eterna de suas ondas,
Deixou-lhe a imaginação germinar e brotar
No tempo certo de teu jardim;
E a tinta, ao pintar-lhe o auto-retrato,
Escorreu-lhe o corpo todo,
O óleo, não mais na tela, mas na perna,
Inundou-lhe de delírio e reticências,
E a essência de sua voz
Se desfez e fez-se desintegrada
Como fragrância de incontidos gemidos pelo ar...
E assim, entregue ao sabor da imaginação desatinada,
Desde o ouvido que arrepia
Até os dedos que desenham-lhe a perna trêmula,
Pintou-se a garota pela primeira vez.

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Soneto da interrupção

Embora eu escreva, embora eu tente,
Embora eu sinta que você sente
(Não como eu, é evidente,
E nem o tanto o suficiente),

O mais sensato e consequente
É que eu a esqueça daqui pra frente;
De outro gostas avidamente,
Não há, portanto, o que una a gente.

Dessa forma, é o mais prudente
Fazer deste soneto (tão diferente...)
Minha despedida, já finalmente;

E assim, tão de repente,
Apesar dos pesares e infelizmente,
De ti me afasto... contrariamente.

domingo, 14 de fevereiro de 2016

O que me faz perdido por essa menina

O que me faz perdido por essa menina,
Embora ainda menina mas mulher mais ainda,
Que ser menina-mulher já me fascina?

Seriam, talvez, seus cabelos de cachoeira,
Que busco em seus cachos encontrar uma foz,
Um fim que enfim estivéssemos à sós?

O que me faz perdido por essa menina,

Seria tua voz, doce e inspirante voz,
Que canta com amor e doçura fulminante,
Que encanta e que lhe faz tão impressionante?

O que me faz perdido por essa menina,

Os detalhes de sua boca ou seu beijo ritmado,
Que beijado, bem beijado, é capaz de num instante
Transmitir-se subitâneo para um sonho delirante?

Ou seriam os teus olhos de samba acalentado,
Que não olham, mas cantam, que não vêm, mas dizem,
e que se vêm à mim me enlevo apaixonado?

O que me faz perdido por essa menina,

Que perco a linha e me descosturo fio a fio
E de pouco em pouco me desfaço enternecido
Pelo encanto de cada canto de tua alma;

Que por um toque já desfoca-me a visão,
Unho-me as mãos, sufoca a respiração,
Reviro-me por dentro e me embriago de tua calma?

O que me faz perdido por essa menina?

Ao encantamento teu coração pertence,
Mulher em flor, pois eis o que é;

O que me faz perdido por essa mulher?

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Carta pública ao Senhor da Mineração

Carta pública destinada
Aos seguintes Senhores da Mineração:

Senhor Dono,
Senhor CEO,
Senhor Presidente,
Senhor Executivo,
Senhor Investidor,
Senhor Dirigente,

No intuito de melhorar
o comunicado de minha carta,
Resumir-vos-ei como "Senhor",
Substantivo que vos enquadra.

---

Senhor Doutor,
Vejo-lhe das bonanças farto,
Adquiridas por meio das
Extrações mais que lucrativas
Dos minérios de nossas terras,
montanhas, paisagens, serras,
Em instalações bem sucedidas
de gigantes e colossais minas,
Sem que se importe com as vidas
que diariamente vos ceifais
(Mas qual o que, tão banais!)
Para o acúmulo de suas cifras;

Vejo-lhe, Senhor Doutor,
Um Senhor Doutor de muito garbo,
sucesso, poder, tradição,
influência, propriedade, articulação,
Bem alinhado, afortunado,
De panos caros, elegantes sapatos,
casacos de couro, relógios de ouro,
Daqueles que nem os menos ricos que você
(Mas ainda muito ricos!)
Poderiam ter;
Vejo-lhe um homem raro,
Senhor Doutor,
Um homem raro de se ver;

Mas sei, e o senhor bem sabe,
e qualquer um sabe,
(até o mais ingênuo sabe),
Senhor Doutor,
Que este teu glamour,
Teu louvor,
Este teu império
De riqueza e horror
Foi construído e é sustentado
às custas do labor
Desenfreado e explorado
De teus pobres empregados,
Que esguelados trabalham
Abrindo minas sem pudor,
Dando-lhe lucros para que valham,
talvez um dia, um por cento 
do que Vale o Senhor;

E por isso, Senhor Doutor,
Já que não tens limites,
Que nós não valemos nada,
Que nossos corpos são descartáveis,
Que nossas serras são devastadas,
Com atento e delicado tato,
Senhor Doutor e Proprietário,
Fazer-me-ei com o teu corpo
O que fazes com a natureza,
O quanto sangra nossa riqueza
Com o tanto que extorque o nosso povo.

Cortarei tua pele na navalha
Em região determinada e demarcada
por estudos & pesquisas
previamente realizadas,
Para que, asseguradamente,
Minhas navalhas afiadas
(afiadas precavidamente!)
Não lhe deixem marcas
ou memoráveis traumas;

Dois.

Atendendo às regas,
legislações ambientais,
rasparei-lhe o osso
com instrumentos não-letais,
orientado por tratados,
convenções internacionais,
Sem me esquecer, é evidente,
das nossas leis estaduais;

Extraindo de seus ossos,
De pouco em pouco, o mel do lucro,
Cuidadosamente, conforme a lei,
Desvendar-lhe-ei, extraindo tudo,
Desde o mais fino corte
Até o mais fundo furo;

Venderei teu osso-bruto
Aos senhores do hemisfério norte,
E importaremos os seus produtos
Fabricados com teu osso-cobre;

Mas se acaso eu estourar
Alguma veia em algum lugar,
Inundando-lhe o corpo
De sangue quente, sangue morto,
Esfriando-lhe as pernas,
Engasgando-lhe a garganta
Com o destempero do desespero,
Garanto-lhe emergencialmente
(apenas isso e tão somente!)
Um juramento de alguns remorsos,
O choro falso dos meus gerentes,
Uma boa equipe de psicólogos,
E um pause (pause!)
com os meus negócios;

E o teu feitiço, a propósito,
Virar-te-á contra ti mesmo;
Te verás em desespero,
Estarás gritando em vão,
Lentamente morrerás
E contarei minha versão:
Um acidente, nada mais;
E assim aceitarão.

Pois assim é que o Senhor,
Senhor das Trevas, Senhor Doutor,
Imputa ao mundo a tua regra;
Em torno dela tudo gira,
Prefeituras, Senadores,
Presidentes, Governadores,
Em serviço da garantia
Do teu circo dos horrores.

Passada a comoção,
Com auxílio do Estado,
da imprensa, televisão,
O esquecimento de sua morte
Se dará em horário nobre;
Teu legado desmanchado,
(teus ossos esgotados!)
Já perdido, sem passado,
Nunca mais será lembrado.


E assim será tratado.



E assim é que há de ser.



E isso não é fábula.







Tal desfecho lhe resguarda a história,
Senhor Doutor de Honra e Glória.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

Quando não os prédios

Acostumado com a cidade que se encerra
Pelo Curral que lhe faz jus ao nome,
Deslocado fico na cidade que sem serra
Nada lhe abraça pelo seu horizonte.

São Paulo, 12 de dezembro de 2015

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

poesia

Não basta falar do coração,
Ter um dicionário à mão
Ou rimar com perfeição
Se não tens sensibilidade.

Essa não se busca;
Lhe invade.

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

O poeta das sete cordas

"E lá vou eu, 
melhor que mereço,
pagando a bom preço,
a evolução...
Ah, se não fosse o violão..."

O poeta das sete cordas
trata cada corda de seu violão
como um novo grande amor;
de leve pega, reconhece, toca,
sente o cheiro, olha,
delicado encosta,
estranha, entende,
passa o dedo, roça,
ajusta, traga,
bebe, retorna,
reolha, afina,
afrouxa, reforça;
e quando lhe tens
afinada a viola,
e os dedos endiabrados
entrelaçando as cordas,
seus ouvidos, que aliás,
são o teu próprio coração,
sentem um gosto de uva
com perfume de mel;
e esse mundo cruel
de tantas decepções,
se desfaz na medida
em que toca suas canções.

O poeta das sete cordas...

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

dos poemas à toa, ao léu e aos demais interessados

Gostando de poemas
Descomprometidos com a dor,
Com o amor, o pesar,
Mesmo que das rimas
Não consigo me livrar
(Quanto a isso, tudo bem,
Conseguimos trabalhar);

Que falemos de outras coisas
Quaisquer-coisas
De falar.

A propósito,
Que terrível!
Que calor em Beagá!

tda/h clinicamente detectado e empiricamente comprovado

Olho os meus chapéus,
Mais abaixo os meus livros,
Mais abaixo, meu uísque,
Em minhas mãos, um Vinícius;

Corro então e pego um lápis,
Pode ser inspiração!
Mas frustrado já constato,
Foi apenas distração.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Soneto dos bobos

Lá vem o bobo com cara de bobo,
Cara que acha ser cara de esperto;
Rodeia, envolve, chega mais perto,
Recua, oportuno, fazendo seu jogo;

Lá vem o bobo, fingindo ser sério,
pergunta o que sabes, fingindo ser novo;
Inclusive, tem hora, se finge de bobo,
E ri pressupondo prendê-la decerto;

Mas ela se envolve só que envolvendo,
E em meio a esquivos, senões por demais
De repente te enlaça em nós que lhe faz;

E tu, malandro, olhai como estás,
Ardendo em vontade, e ela correndo
És feito de tolo, passado pra trás.

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

como os poemas nascem

Feito uma espontânea e frágil represa,
a água quente retem-se em minha cabeça
e por trás das orelhas rapidamente escorre,
fenecendo-me a dureza,
arrepiando-me os braços,
entortando-me os olhos,
desvelando-me leveza...

Tão leve e submerso o corpo,
As tensões estalam;
Tão leve e delirante vapor,
As paredes suam;
Tão leve e distante a mente,
Os devaneios inspiram;
Tão leve e sublime assim,
Os poemas nascem.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Soneto da espera

Já alguns dias depois daquele dia,
A dor da despedida ainda doía nela:
Sem foco, perdida, distante, aquela
Menina dos risos não mais sorria.

Queria tratar-se, mas não sabia;
Queria esconder-se, com a porta aberta.
Queria esquecer-te, mas não queria.
Mas o que queria, se estava incerta?

Mesmo tendo partido naquele dia
E a deixado sozinha (o amor que tivera!),
Optaste, assim, pela medida certa

(Ao menos era o que o coração dizia):
Esperar teu retorno, com a alma aberta,
Sendo completa e abnegada espera.

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

das fases e do desejo

como as ventanias quando repentinamente chegam,
assustam, fazem frio,
mexem mas não transformam,
são curiosas algumas fases da vida:
eu,
tão diferente daquele que
há 2 dias atrás se diferenciava tanto
daquele que há mais outros dias atrás,
no entanto,
era ainda completamente outro,
segui e sigo ainda sendo o mesmo:
um único e eterno pulso de desejo.

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

tripalium

lugar desgraçado
suas opiniões
seus cinismos
suas obrigações
seus ridículos
círculos de falsidades
suas pretensas verdades
essas companhias
pífias, malditas
esse tempo,
esse prazo,
esse relógio,
essas demandas,
essa não-dispersão,
esses tapas nas costas,
essas todas 10 horas,
essa toda pressão...

e além de tudo,
essa obrigação
de me resignar
de te ouvir,
de me calar
de ter que servir
de ter que sorrir
e ter que engolir
quando quero chorar

terça-feira, 30 de setembro de 2014

falta o céu chorar

nesses meses de seco, sem chuva
de neblina, poeira,
de fumaça na rua:
eu, também seco
na beira, berlinda,
no escuro da curva;
tanto ele, o tempo,
quanto eu, ambos,
amanhã é que chovemos,
amanhã é que choramos.

domingo, 9 de março de 2014

Pedro Ivo

(ao meu amigo de trabalho)

I

Rebramam os ventos... Da negra tormenta
Nos montes de nuvens galopa o corcel...
Relincha-troveja... galgando no espaço
Mil raios desperta co'as patas revel.
É noite de horrores... nas grunas celestes,
Nas naves etéreas o vento gemeu...
E os astros fugiram, qual bando de garças

Das águas revoltas do lago do céu.
E a terra é medonha... As árvores nuas
Espectros semelham fincados de pé,
Com os braços de múmias, que os ventos retorcem,
Tremendo a esse grito, que estranho lhes é.
Desperta o infinito... Cota boca entreaberta

Respira a borrasca do largo pulmão.
Ao longe o oceano sacode as espáduas
— Encélado novo calcado no chão.
É noite de horrores... Por ínvio caminho
Um vulto sombrio sozinho passou,
Co'a noite no peito, co'a noite no busto

Subiu pelo monte, — nas cimas parou.
Cabelos esparsos ao sopro dos ventos,
Olhar desvairado, sinistro, fatal,

Diríeis estátua roçando nas nuvens,
P'ra qual a montanha se fez pedestal.
Rugia a procela — nem ele escutava!...
Mil raios choviam — nem ele os fitou!
Com a destra apontando bem longe a cidade,
Após largo tempo sombrio falou!...

II

Dorme, cidade maldita,
Teu sono de escravidão!...
Dorme, vestal da pureza,
Sobre os coxins do Sultão!...
Dorme, filha da Geórgia,

Prostituta em negra órgia
Sê hoje Lucrécia Bórgia
Da desonra no balcão!...
Dormir?!... Não! Que a infame grita
Lá se alevanta fatal...
Corre o champagne e a desonra

Na orgia descomunal...
Na fronte já tens um laço...
Cadeias de ouro no braço,
De pérolas um baraço,
— Adornos da saturnal!
Lonca!... Nem sabes que as luzes,

Que acendeu p'ra as saturnais,
São do enterro de seus brios
Tristes círios funerais...
Que o seu grito de alegria
E o estertor da agonia,
A que responde a ironia

Do riso de Satanás!...
Morreste... E ao teu saimento
Dobra a procela no céu.
E os astros — olhar dos mortos —
A mão da noite escondeu.
Vê!... Do raio mostra a lampa

Mão de espectro, que destampa
Com dedos de ossos a campa,
Onde a glória adormeceu.
E erguem-se as lápides frias
Saltam bradando os heróis:
"Quem ousa da eternidade

Roubar-nos o sono a nós?"
Responde o espectro: "A desgraça!
Que a realeza, que passa,
Com o sangue de vossa raça,
Cospe lodo sobre vós!...
Fugi, fantasmas augustos!

Caveiras que coram mais
Do que essas faces vermelhas
Dos infames pariás!...
Fugi do solo maldito...
Embuçai-vos no infinito!...

E eu por detrás do granito
Dos montes ocidentais...
Eu também fujo... Eu fugindo!...
Mentira desses vilões!.,.
Não foge a nuvem trevosa
Quando em asas de tufões,

Sobe dos céus à esplanada,
Para tomar emprestada
De raios uma outra espada,
À luz das constelações!...
Como o tigre na caverna
Afia as garras no chão,

Como em Elba amola a espada
Nas pedras — Napoleão,
Tal eu — vaga encapelada,
Recuo de uma passada,
P'ra levar de derribada
Rochedos, reis, multidões...!

III

"Pernambuco! Um dia eu vi-te
Dormido imenso ao luar,
Com os olhos quase cerrados.
Com os lábios — quase a falar...

Do braço o clarim suspenso,
— O punho no sabre extenso
De pedra — recife imenso,
Que rasga o peito do mar...
E eu disse: Silêncio. ventos!
Cala a boca, furacão!

No sonho daquele sono Perpassa a Revolução!
Este olhar que não se move
"Stá fito em — Oitenta e Nove —
Lê Homero — escuta Jove...
— Robespierre — Dantão.
Naquele crânio entra em ondas

O verbo de Mirabeau...
Pernambuco sonha a escada
Que também sonhou Jacó;
Cisma a República alçada,
E pega os copos da espada,
Enquanto em su'alma brada:

"Somos irmãos, Vergniaud."
Então repeti ao povo:
— Desperta do sono teu!

Sansão — derroca as colunas!
Quebra os ferros — Prometeu!

Vesúvio curvo — não pares,
Ignea coma solta aos ares,
Em lavas inunda os mares
Mergulha o gládio no céu.
República!... Vôo ousado
Do homem feito condor!

Raio de aurora inda oculta
Que beija a fronte ao Tabor!
Deus! Por qu'enquanto que o monte
Bebe a luz desse horizonte,
Deixas vagar tanta fronte,
No vale envolto em negror?!...

Inda me lembro... Era, há pouco,
A luta!... Horror!... Confusão!...
A morte voa rugindo
Da garganta do canhão!..
O bravo a fileira cerra!...
Em sangue ensopa-se a terra!...

E o fumo — o corvo da guerra —
Com as asas cobre a amplidão...
Cheguei!... Como nuvens tontas,
Ao bater no monte — além,
Topam, rasgam-se, recuam...
Tais a meus pés vi também

Hostes mil na luta inglória...
... Da pirâmide da glória
São degraus... Marcha a vitória,
Porque este braço a sustém.
Foi uma luta de bravos
Como a luta do jaguar,

De sangue eurubesce a terra,
— De fogo enrubesce o ar!...
... Oh!... mas quem faz que eu não vença?
— O acaso... — avalanche imensa,
Da mão do Eterno suspensa,
Que a idéia esmaga ao tombar!...

Não importa! A liberdade
É como a hidra, o Anteu.
Se no chão rola sem forças,
Mais forte do chão se ergueu...
São os seus ossos sangrentos
Gládios terríveis, sedentos...

E da cinza solta aos ventos
Mais um Graco apareceu!...
Dorme, cidade maldita!
Teu sono de escravidão!
Porém no vasto sacrário
Do templo do coração,

Ateia o lume das lampas
Talvez que um dia dos pampas
Eu surgindo quebre as campas
Onde te colam no chão.
Adeus! Vou por ti maldito

Vagar nos ermos pauis.
Tu ficas morta, na sombra,
Sem vida, sem fé, sem luz!...
Mas quando o povo acordado
Te erguer do tredo valado,
Virá livre, grande, ousado,

De pranto banhar-me a cruz!...

IV

Assim falara o vulto errante e negro,
Como a estátua sombria do revés,
Uiva o tufão nas dobras de seu manto,

Como um cão do senhor ulula aos pés...
Inda um momento esteve solitário
Da tempestade semelhante ao deus,
Trocando frases com os trovões no espaço
Raios com os astros nos sombrios céus...
Depois sumiu-se dentre as brumas densas

Da negra noite — de su'alma irmã...
E longe... longe... no horizonte imenso
Ressonava a cidade cortesã!...
Vai! ... Do sertão esperam-te as Termópilas
A liberdade ainda pulula ali...
Lá não vão vermes perseguir as águias,

Não vão escravos perseguir a ti!
Vai!... Que o teu manto de mil balas roto
E uma bandeira, que não tem rival.
— Desse suor é que Deus faz os astros...
Tens uma espada, que não foi punhal.
Vai, tu que vestes do bandido as roupas,

Mas não te cobres de uma vil libré
Se te renega teu país ingrato
O mundo, a glória tua pátria é!...

V

E foi-se... E inda hoje nas horas errantes

Que os cedros farfalham, que ruge o tufão,
E os lábios da noite murmuram nas selvas
E a onça vagueia no vasto sertão.
Se passa o tropeiro nas ermas devesas,
Caminha medroso, figura-lhe ouvir
O infrene galope d'Espectro soberbo,

Com um grito de glória na boca a fugir.
Que importa se o túm'lo ninguém lhe conhece?
Nem tem epitáfio, hem leito, nem cruz?...
Seu túmulo é o peito do vasto universo
o espaço-por cúpula — as conchas azuis!...

... Mas contam que um dia rolara o oceano
Seu corpo da praia, que a vida lhe deu...
Enquanto que a glória rolava sua alma
Na margens da história, na areia do céu!...

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

o temor

Não venta frio mais como no início,
quando não era em vão
porquanto era incerto...
Afinal, hoje é verão
E a final, será inverno?

    E o final, como o início,
    será, decerto,
    também difícil?

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

almejo

(trama para carnaval)
Na rua o cortejo
Na esquina o festejo
No festeiro o baculejo
Na alegria o bosquejo
Na memória o malfazejo
Na embriaguês o lampejo
No bem amado o realejo
No mal amado o pejo
Na casa no vilarejo
No banheiro o azulejo
Na roupa o percevejo
Na cama o sacolejo
No beijo o ensejo
No debruçar o gracejo
No apertar o relampejo
No entregar a andarejo
Na garganta o gorgolejo
No suor o rio Tejo
No seca-boca o grugulejo
No unha-carne o traquejo
Na trama-cama o sobejo
No treme-perna o bocejo
No poro-aberto o arejo...

domingo, 8 de dezembro de 2013

da trama praiana

Tá rolando churrasco lá em baixo
Cá em cima novela, no máximo;
Só que daqui, da varanda, fechado
Se busco novela não acho;
Se busco churrasco, lá em baixo,
Se faço poesia, faço:
Poesia sobre churrasco.

Cabo Frio, 08/12/2013

pernilongo

Pernilongo filho da puta
Que a mim meu sangue suga
Hei de matá-lo por dentro:
Meu sangue sendo a ti o veneno
Meu sangue queimando teu ventre
Meu soco que a ti de repente
Lhe subtrai a meu sangue somente.

Cabo Frio, 08/10/2013

sábado, 7 de dezembro de 2013

a dialética

Ainda bem que existe a vida
para distrair da morte,
Que existe a vida
em contravenção à morte,
Que existe a vida,
o próprio invés da morte,
E pena que existe a vida
- quase - apenas para que se exista a morte,
E que exista a vida
para que depois só a morte exista;
Mas ainda bem que existe a vida
para que, antes da morte, viva.